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Contos de Fadas – Soldadinho de Chumbo

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Soldadinho de Chumbo

Soldadinhos de chumbo, como retratado no conto "nutcracker", Quebra Nozes em inglês.

Era uma vez um menino que, em seu aniversário, ganhou uma caixa com 25 soldadinhos e os alinhou em cima de uma mesa. O último soldadinho de chumbo tinha apenas uma perna.




Perto, havia uma bailarina de papel e ela se equilibrava somente em uma perna, com os braços levantados.

O soldado de uma perna só acredita que a bailarina também tinha somente uma perna, e se apaixonou por ela.

Naquela noite, um gênio mau, entre os outros brinquedos, advertiu o soldado para que ele pare de olhar para a bailarina, mas o soldado o ignorou.

No dia seguinte, o soldado caiu da janela, trabalho do gênio, e ficou na calçada. Dois meninos encontraram o soldado, colocaram-no em um barquinho de papel e lançaram-no pela sarjeta.

O barquinho cai no esgoto e continuou a navegar até cair num rio, onde foi engolido por um peixe.

Quando este peixe foi pescado e cortado, o soldado estava na mesma casa de antes e colocado de volta próximo à bailarina.

Sem querer, o soldado cai no fogo. Um vento sopra e derruba a bailarina também no fogo; ela é consumida instantaneamente, somente restando o coração de pedra azul.

O soldado derrete numa poça em forma de coração e prende no coração da bailarina.

A História do Conto

Han Chritian Andersen, o escritor do conto "Soldadinho de Chumbo"




O Soldadinho de Chumbo é um conto de fadas escrito por Hans Christian Andersen e publicado pela primeira vez em 1838.

Foi o primeiro conto escrito totalmente por Andersen. É importante notar que:

  • Um conto de narrativa curta e fora dos padrões dos contos mais conhecidos.
  • Aqui o herói é um soldadinho de chumbo de uma perna só, que se apaixona platonicamente por uma bailarina, que ele julga ser igual a ele.
  • Podemos supor que o soldadinho sem uma perna seja um aspecto da infância do menino.
  • Ele passa por um processo de transformação ao morrer. Ou seja, um aspecto do menino irá passar pelo fogo das emoções e morrer para que algo novo renasça.

A palavra fada vem do latim, fatum, que significa fatalidade, destino, fado.

O soldadinho de chumbo cumpre seu destino fatal, mesmo passando por adversidades e contratempos.

Um aspecto interessante nesse conto, é que o destino nasce do desejo. Ao desejar a bailarina e se espelhar nela ele cumpre seu destino, que nada mais é que a transformação e a imortalização do amor.

Isso significa que o desejo é a fachada para o cumprimento de um destino, que nada mais é que o nosso processo de individuação.

Precedentes na Mitologia e na Psicologia

O tema do amor imortal aparece em mitos como o de Eros e Psiquê.

Escultura sobre o mito de Eros e Psiquê - Usado em comparação com o conto do Soldadinho de Chumbo

Onde a alma humana passa por uma jornada de transformação, por meio do amor, e ao final, é elevada aos céus e se torna imortal, por meio do fogo divino (Eros).

É importante também salientar um aspecto que é bem característica da infância, a fantasia.

É comum a criança imaginar que ao dormir os brinquedos ganham vida e brincam uns com os outros. Por essa razão, podemos associar o soldadinho de chumbo à fantasia de infância do menino.

No entanto, o soldadinho é o herói, e é dele que irei falar nesse texto.

Para iniciar a análise, é importante observar que o soldadinho é feito de chumbo.

O chumbo para a alquimia é um metal associado a saturno, planeta associado a realidade pesada.

Conforme Edinger (2006), o chumbo é pesado, sombrio e incomodo. Ligado a melancolia, depressão e limitação mortificante.

Esse aspecto marca o encontro do ego em formação com a realidade da vida e sua finitude.

Na alquimia o chumbo também está associado à operação alquímica coagulatio, que consiste em transformar as coisas em terra, ou seja, a materialização das coisas na realidade humana.

A coagulatio é comparada simbolicamente a encarnação.

Em termos psicológicos seria o processo de encarnação do arquétipo, processo esse que vai mais além do que a simples tomada de consciência (Edinger, 2006).

Mas de Qual Arquétipo Trata o Conto?




 

O conto não informa a idade do menino, mas apenas que é uma criança. Podemos supor que o soldadinho de chumbo represente a encarnação completa do ego como centro da consciência. Na encarnação do arquétipo há a manifestação concreta na vida do indivíduo, com toda transformação inerente a esse processo.

Essa encarnação do arquétipo pode se realizar por meio de relações interpessoais, ou por meio de um campo e interesse muito forte, como o estudo ou de trabalho (Edinger, 2004).

Conforme Von Franz (2005a):

Sabe-se pelos resultados de pesquisas na área da psicologia infantil, que nos primeiros 20 anos de vida (tomando-se uma estimativa ampla), a principal tendência do inconsciente é construir um complexo de Ego forte, e que a maioria das dificuldades na juventude resultam de perturbações ocorridas nesse processo, seja pela influência negativa dos pais, seja pela experiência traumática ou qualquer outro distúrbio.

Marie Louise von Franz - Soldadinho de Chumbo

No momento em que o ego humano “encarna”, ou seja, o centro da identidade do eu se torna totalmente consciente, é o momento que o indivíduo se percebe como um eu independente do outro.

O que pode gerar um sentimento de solidão e limitação enormes.

Um dos fatores da formação do ego humano é o ideal do herói que desempenha o papel de modelo.

Esse ideal pode ser projetado no pai, num irmão mais velho, num professor, num policial, etc.

Von Franz (2005a) comenta:

Nos seus sonhos secretos, a criança imagina que é aquilo que ela quer ser quando crescer. As fantasias de muitos garotinhos são aquelas de vestir uma capa vermelha e sinalizar os trens, de ser o chefe, o “chefão”, o rei, ou chefe de polícia. Esses modelos são projeções produzidas pelo inconsciente; elas aparecem naturalmente nos sonhos dos adolescentes ou são projetadas em figuras externas que captam a fantasia da criança e influenciam a construção do seu ego; toda mãe sabe disso.

O fato de o brinquedo ser um soldadinho pode informar sobre uma formação de ego projetada na imagem do herói.

O soldado é aquele que luta, é valente, patriota e salvador. O soldado seria uma fortificação do ego do menino.

Além disso, o chumbo para a alquimia representa a prima matéria, que deveria ser transformada em ouro.

A pesada matéria tinha que ser purificada e transformada em algo nobre, ou seja, espiritualizada.

Para Jung o alquimista não conhece a verdadeira natureza da matéria. Nessa exploração pelo conhecimento e transformação da matéria, projetou o inconsciente nela.

O Simbolismo

Carl Gustav Jung

Todas as experiências alquímicas representavam, então, as experiências psíquicas do operador (Jung, 1978).

Simbolicamente a matéria prima somos nós mesmos e todo o trabalho é realizado sobre algo desconhecido, que é a personalidade humana e precisamos ser reduzidos a essa primeira matéria para encontrar o que é verdadeiramente essencial.

A matéria (o ego humano) precisa ser purificada para desenvolver o espírito.

O conto do soldadinho trata desse processo de transformação da psique humana.

O chumbo como matéria primordial passa pelo processo de purificação alquímica até chegar no estado de elevação ideal.

Uma Só Perna…

Outro aspecto importante do soldadinho de chumbo é o fato de ele só ter uma perna.

Conforme Hillman (2008), o aleijamento é um aspecto presente tanto na figura do puer aeternus (criança eterna) quanto na figura do herói. Sendo muitas vezes essa uma condição, uma ferida, advinda dos pais.

Hillman

Além disso, é muito comum o herói ser ferido na extremidade de baixo, pois puer é incapaz de estar no mundo com ambos os pés.

O soldadinho não tem uma perna. Isso pode mostrar a condição o menino que não quer crescer, como no conto Peter Pan.

Ele precisa saltitar, sua consciência não tem estabilidade e é precariamente equilibrada.

O soldado de uma perna só mostra a hesitação e uma suscetibilidade de uma consciência identificada com o puer.

Ele é limitado, frustrado e impedido. Nesse caso só há uma maneira para a transformação, que é a morte.

Von Franz (2005b) aponta que o puer representa o homem que não se separou da mãe.

Um dos caminhos para o desenvolvimento dessa consciência que ainda busca o seio materno é o trabalho, ou pela anima:

  • É necessário para uma consciência puer assumir um compromisso com algo ou alguém.
  • No conto o soldadinho se apaixona pela bailarina de papel.

Características e Paixões

O fato de ser de papel já alude a algo que é frágil e leve, oposto ao chumbo. Ela está em posição de pirueta, dando a impressão de não ter uma perna também.

Ele se apaixona por algo que é oposto a ele, e ao mesmo tempo imagina que possui a mesma deficiência que ele.

Mas se trata de uma ilusão, pois ela tem justamente o equilíbrio que ele não tem. Ela simboliza a graciosidade, o equilíbrio e a dinâmica do inconsciente.

Ela consegue transitar de um lado para outro, sem perder o equilíbrio. É uma mente que saltita em harmonia de um lado a outro, de um oposto a outro.

A bailarina é a representação da alma que é sutil e leve como papel e que está em equilíbrio. Ela representa a busca da matéria pela transcendência. É o elemento ar, a sublimação, a relativização, o mundo da fantasia.

Após se apaixonar pela bailarina, um gênio do mal o derruba da janela. O gênio pode ser considerado como um aspecto sombrio do soldadinho de chumbo.

A Sombra Neste Conto

No entanto, é importante compreender bem esse elemento sombrio, pois ele é o catalisador de toda a aventura.

É extremante comum nos contos de fadas o elemento do mal ser o agente que desencadeia a ação.

O encontro com uma figura malévola é característica da jornada do herói. Onde ele vai ter que encarar suas sombras e aspectos negligenciados.

Jornada do Herói - Análise do conto Soldadinho de Chumbo

O soldadinho vai parar no ventre de um peixe. Tema esse muito característico da jornada do herói.

Conforme Campbell (1997) essa é uma passagem para o renascimento do herói, e é simbolizada na imagem mundial do útero, ou ventre da baleia.

Joseph Campbell - Análise do conto Soldadinho de Chumbo

O herói, em lugar de conquistar ou aplacar a força do limiar, é jogado no desconhecido, dando a impressão de que morreu.

O interior do peixe seria esse ventre da baleia, onde o herói enfrenta a noite escura da alma. O momento em que o herói vai para dentro para nascer de novo.

O soldadinho volta ao mesmo local de origem, denotando o processo de morte e renascimento simbólicos. Ele renasce para uma nova oportunidade, uma nova consciência.

A Alquimia no Conto

O soldadinho e a bailarina caem no fogo. Ela é consumida instantaneamente, e transformada em coração de pedra azul. Ele derrete numa poça em forma de coração e prende no coração da bailarina.

A morte de ambos não é uma tragédia, mas uma transformação.

O fogo tem uma representação simbólica importante. Para a alquimia, a calcinatio é uma operação onde um sólido é aquecido para que se liberte de suas impurezas. É um processo de secagem da matéria.

O fogo também simboliza o espírito (assim como a água representa a matéria). Ou seja, a matéria é transformada pela espiritualização. Ela é seca pelo fogo, representando a purificação da matéria.

Em termos psicológicos, a calcinatio se inicia pela frustração do ego. Os desejos frustrados intensificam as emoções, queimando as exigências infantis do ego.

Dessa forma o ego consegue se conectar a um novo centro de sua personalidade, mais profundo

Esse processo de transformação se iniciou pelo amor do soldadinho pela bailarina e culmina na união dos dois.

Eros, o deus do amor, também é associado ao fogo da espiritualização.

Conclusão

O sofrimento que o amor causa e o tormento de um desejo frustrado podem levar a psique humana a um estágio mais alto de desenvolvimento.

No fim do conto, os dois se unem em forma de coração, símbolo da eternidade. O coração significa que o chumbo da matéria se transformou na pedra filosofal.

Símbolo do amor mais elevado, da coniunctio superior, onde os opostos se unem por meio do amor.

Amor pelas nossas partes mais frágeis e renegadas, nossa parte inferior, amor pelo que é inferior no outro também, formando assim uma totalidade.

Referências Bibliográficas:

CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo, Cultrix, 1997.

EDINGER, E. F. Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

_____________ Ciência da alma. São Paulo, Paulus: 2004.

JUNG, C. Psicologia e religião. Petrópolis: Vozes, 1978.

KAWAI, H. A Psique Japonesa – Grandes temas dos contos de fadas japoneses. São Paulo: Paulus, 2007.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005a.

______________ Puer Aeternus – A luta do adulto contra o paraíso da infancia. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005b.


2 COMENTÁRIOS

  1. Hellen ! Bom Dia …li integramente…vitória….muito edificante e belo seu trabalho…megulhei neste conto de corpo e alma..preciso ler mais algumas vezes..abraços fraternias…Belo trabalho..continue assim…

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