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Imposições Sociais e o Afastamento da Sombra

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Você consegue distinguir o que é feito por você e o que é imposto? Imposição para ser, fazer, e que sem perceber nos tornamos escravos do que a sociedade e o outro quer, ao invés de compreendermos o que realmente somos ou queremos. Em nossa sociedade capitalista cada vez mais somos avassalados por discursos impositivos, e que levamos do pensamento á ação, sem ao menos refletir se aquele querer, se viver desta maneira é um movimento genuíno nosso.

Um homem tem um cão que vive solto pelo seu quintal. As pessoas quando o visitam comentam: – Não é agradável vir à sua casa. Você tem esse cão solto que nos amedronta. O homem, dono do cão, o prende nos fundos da casa, para agradar às visitas. O cão se torna hostil, começa a latir. As visitas reclamam: – Vir à sua casa é desagradável. Você tem esse cão que ladra o tempo todo. O homem prende seu cão no porão e já não mais o afaga, às vezes esquece de alimentá-lo e esse cão se torna feroz, mas ninguém mais o vê, nem o ouve mais. Todos estão tranquilos. Um dia o cão rompe as correntes, irrompe pela sala do tal homem, fere suas visitas, destrói sua casa… Só porque foi abandonado.” (SALETE, 2009, pág. 28)

Por toda a vida, as pessoas nos atravessam e atravessamos, influenciamos e somos influenciados, projetamos e somos projetados, mas reconhecer o que é do outro e o que é seu, o que é imposição e o que é seu querer, é de grande importância na relação entre o eu social e o eu totalidade.

Fotografia: Lily Martins. Foto autorizada(Imagem autorizada. Fotografia: Lily Martins. Rede social: https://www.instagram.com/l.martinsfotos/)

O paradigma da modernidade (NASSER, 2008) está entre a apreensão e reconhecimento dos saberes em que estão dimensionadas as regras, ou dimensionadas para as possibilidades. Assim leva-se a pensar sobre o que está sendo imposto em tais regras e se estas imposições não estão retirando as possibilidades do sujeito.

Enquadrando-se nestes modelos e categorias pré-estabelecidos, rotulando o outro, de forma superficial e arbitrária, (SOUZA, 2005), a identidade pode se formar como uma resposta às exigências do meio social e não algo autentico e genuíno, individuar-se é conscientização entre sí mesmo, é a autorrealização enquanto pessoa, através de um movimento de adaptação e equilíbrio entre a realidade interior e a realidade exterior. O processo de individuação percorre toda a humanidade tanto no nível pessoal como coletivo, refere-se ao processo de tornar-se uma totalidade, pessoa completa, com autorrealização e autoconhecimento.

No trecho da ficção: “Viver é risco em vermelho”, da autora Nilma Lacerda a seguir, podemos compreender essas expectativas de comportamentos e a pressão vivida por Maria, por conter um nome de peso histórico: “Estou indo agora, eu também percorrendo esta passagem, a me saber, me entender, que me procuro e não acho. Este nome que se faz com que me enrole sobre mim e não encontre ponta que desate o emaranhado: Maria Joana D’Arc”. (LACERDA, 2013, p.11)

Trabalhamos, compramos, vendemos e construímos relações sociais; discorremos sobre política, economia e ciências, mais no fundo somos meninos brincando no teatro da existência, sem poder alcançar sua complexidade. Escrevemos milhões de livros e os armazenamos em imensas bibliotecas, mas somos apenas crianças. Não sabemos quase nada sobre o que somos. somos bilhões de meninos que, por décadas a fio, brincam neste deslumbrante planeta.” (CURY, 2009, p. 30)

Para a Psicologia Analítica, o psiquismo é dividido entre consciente, inconsciente pessoal e inconsciente coletivo, sendo este último (NASSER, 2008), um reservatório de predisposição em imagens latentes, imagens primordiais, referentes aos níveis mais arcaicos da história. E quanto mais fundo for, vai ter mais contato com as imagens arquetípicas, que significam “arché” imagem primeira, modelo original, assim sendo conteúdos universais primordiais.

A relação entre (OLIVEIRA, 2010) os arquétipos sombra e persona, está exemplificada entre o que se pode evitar e o que é apresentável. Porque se evita? Por medo, ou por encontrar no arquétipo da sombra o que se considera inferior, desprovido de valor e mau, e neste afastamento o processo de individuação, que é o caminho para o self, é impedido. A individuação visa romper com os valores falsos da persona ao eu, permitindo ao indivíduo aceitar a sombra e tornar-se sujeito total.

A sombra (NASSER, 2010) pode ter um lado positivo e negativo. É responsável, positivamente, pela criatividade, pelas intuições profundas e pela espontaneidade. No lado negativo, estarão as coisas que não são aceitas como pertencentes a si mesmo pelo sujeito e se tornam objetos de projeção sobre o outro, seja este, um demônio, um rival, um inimigo ou qualquer outra figura simbólica ou real que possa causar medo, asco.

Foto Autorizada. Imagem: Lily Martins

(Imagem autorizada. Fotografia: Lily Martins. Rede social: https://www.instagram.com/l.martinsfotos/)

Todos os indivíduos manifestam a sombra e qualquer um está sujeito a um rompimento de conteúdos da sombra, (OLIVEIRA, 2010) se esta for espessa e escura por conteúdos reprimidos. Rompimento este que seria vir à tona de forma impulsiva e não consciente. O crime é um rompimento da sombra e de uma sociedade que cria mecanismos para que a sombra não seja vista, expressa, confrontada, analisada e refletida, que não permite entrar em contato com o escuro ou com o mal, dentro de cada sujeito.

A expressão da sombra é compreendida a partir de um significante que está ligado a toda sociedade, mas também a cada família e indivíduo. Não se pode banir a sombra, porque, esta é parte de cada psique, e sua análise possibilita reconhecer quem realmente se é (OLIVEIRA, 2010).

É comum significar a sombra como algo ruim, mau. Mas não somos puramente maus ou bons, somos uma totalidade. E é importante entender isso para o caminho do total autoconhecimento. Normalmente, apenas se olha para sombra quando ela emerge, através de ações impulsivas, que é classificado pelo senso comum como “algo que nunca faria”, ou “não sei o que deu em mim no momento”, todos são capazes de matar, de roubar, de machucar o outro, agredir, em momentos de autodefesa ou não, e entender e analisar isso, trabalhar em terapia, é o que fará com que os atos se consolidem ou não.

Imagem Autorizada. Foto: Lily Martins

(Imagem autorizada. Fotografia: Lily Martins. Rede social: https://www.instagram.com/l.martinsfotos/)

Quanto mais tempo não se olhar para a sombra, mais energia do inconsciente ela vai ter, podendo se tornar um complexo (Papo para outra matéria) e assim tornando-se autônoma. Autonomia esta que pode romper a consciência através de impulsos não pensados e colocados em atos.

É de muita importância ter a ciência de que a aproximação e reconhecimento da sombra é uma das etapas do processo de individuação, como também a análise das personas e o afastamento delas.

É necessário entender-se como tendo um lado obscuro, a sombra é parte da gente. E a sociedade nos impõe regras, que nos afasta desse olhar, dessa reflexão, dessa aceitação de nós mesmos.

Então, o reconhecimento das imposições sociais e aceitação da sombra, são dois passos bastante importante para a totalidade.

Referências bibliográficas:

CURY, Augusto. O vendedor de sonhos: o chamado. São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2009.

LACERDA, Nilma. Viver é feito à mão/Viver é risco em vermelho. Ilustrações Mauricio Negro. 4.ed. Curitiba: Positivo. 2013.

NASSER, Y. B. d’A.N. A identidade corpo-psique na psicologia analítica / Yone Buonaparte d’Arcanchy Nóbrega Nasser, 2008.

OLIVEIRA, A.W.D. Sociedade e Sombra: Expressões na Criminalidade. FUnC, Fundação Universidade do Contestado, Porto União/SC. 2010.

SALETE, Miriam. A Sombra Não Assombra: Descubra Sua Luz Interior. São Paulo: Butterfly Editora, 2009.

SOUZA, K.M.E. O autoconhecimento e o processo de individuação. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. PUC. 2005.

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