“Quando Jung já estava mais velho, ele não concedia mais tantas horas de análise, e quando seus discípulos ou outras pessoas se encontravam com ele, naturalmente não falavam de seus próprios problemas e sonhos.
Muitas vezes tive problemas e lutava com eles sozinha, sem mencioná-los a ninguém; e, quando me encontrava com Jung, nos primeiros cinco minutos ele começava a falar justamente daquele problema, dando todas as respostas e sugestões de que eu precisava!
Mais tarde perguntei-lhe várias vezes como acontecia de ele tocar exatamente naquele assunto em particular.
Geralmente respondia que não tinha a menor ideia, mas quando se sentava, o assunto lhe vinha à mente. E era justamente o que eu precisava!
Lembro-me de um incidente desse tipo.
Eu desejava loucamente algo em minha própria vida, mas era muito tímida para esticar a mão e apanhá-lo.
Fiz uma visita a Jung, justo na hora em que estava dando comida aos patos, e havia ali um patinho tímido que chegava pertinho, querendo pão, mas, sempre com medo dos outros patos, se afastava.
Jung viu esse coitado e jogou-lhe um pedaço de pão, mas ele foi embora nadando nervosamente e depois voltou, mas era tarde demais.
Isso se repetiu duas ou três vezes; daí Jung virou as costas dizendo:
“Está bem, seu patinho tonto, você pode morrer de fome se não tem coragem de apanhar o pão!”
Isso era para mim!
Imediatamente relacionei-o com a minha situação. Depois perguntei a Jung se ele tinha feito isso de propósito.
Ele respondeu que tinha pensado apenas no pato; não tinha a menor ideia de que coincidisse com minha pergunta interior.
Isso acontecia constantemente.
Os orientais diriam que isso é estar no Tao. Se você estiver no Tao, isto é, em harmonia com os níveis mais profundos de sua personalidade, com a sua totalidade no Self, então ele age através de você dessa forma.
Mas para isto não se deve ter a intenção do ego. Se pretender fazer a coisa certa, se quiser ajudar outras pessoas e assim por diante, então com o ego você bloqueia esse efeito. Você barra a possibilidade natural.
É por isso que Jung foi tão longe, a ponto de dizer que um analista que tem o desejo e a intenção de curar seus pacientes, não é bom.
Não se deve ter nem mesmo isso, pois querer a cura do paciente é uma atitude de poder:
‘Eu quero ser o analista que vai curar este caso!'”
VON FRANZ. Marie-Louise. A Sombra e o Mal nos Contos de Fada.