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Espiritualidade e Jung

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Inspirada pela minha participação na Semana de Psicologia da Universidade Estácio de Sá em Campos-RJ, na mesa: Religião, Cultura e Ética, decidi escrever esse mês sobre o tema da espiritualidade na Psicologia Analítica, pois percebi que ainda existem muitos equívocos e mitos que precisam ser esclarecidos.




Ilustração por John Poppelton "Bodyscapes", imagem por Artur Munerato

A primeira coisa pra abordar dentro desse tema é diferenciar espiritualidade de religião, pois muitas pessoas ainda confundem os dois.

A espiritualidade pode estar presente nas religiões, podemos acessá-la através das religiões, mas a religião não é o único caminho para a espiritualidade. 

Toda religião traz consigo um sistema de crenças, dogmas, regras e deveres que qualquer um que quiser fazer parte dela precisa cumprir.

Já a espiritualidade é livre, totalmente livre, ela é a sua forma pessoal de se relacionar com o transcendente.

E aqui entra o mais importante:

Este transcendente não é necessariamente Deus; não aquele Deus personificado do cristianismo, que te castiga e te gratifica dependendo das suas ações, não o Deus de nenhuma outra religião; a espiritualidade também é livre nisso, você pode ter a sua própria e pessoal relação com o divino e esse divino, esse transcendente, pode ser por exemplo a natureza, ou o seu próprio Self.

Um ateu pode ser sim uma pessoa espiritualizada, em contato com o transcendente, isto é, com a sua própria espiritualidade.

Foto de um indivíduo contemplando o céu e o espaço

E o Que é Transcendente Então?





Jung define,  em “Natureza da Psique“, função transcendente como “união de conteúdos conscientes e inconscientes”. Isto é, a totalidade psíquica.

Essa união resulta na mudança do centro organizador da psique, deixando de ser o Ego o centro organizador e passando a ser o que Jung chamou de Self, o centro organizador da nossa totalidade psíquica.

Simplificando, no processo de autoconhecimento vamos ampliando a nossa consciência, pois cada vez mais aprofundamos no conhecimento de nós mesmos como um todo.

Quanto mais nos tornamos conscientes de nossa totalidade, isto é, de tudo que está presente em nossa psique, nossas sombras, nossos opostos, e integramos tudo isso, mais nos aproximamos desse Self, desse outro centro mais profundo.

Nossa perspectiva, nossa forma de ver o mundo e de se relacionar com ele não fica mais limitada ao olhar do nosso ego, ela amplia.

Passamos a ver e nos relacionar com o mundo sem estar tão presos à nossa ideia de identidade, o que eu gosto, ou não gosto, aos nossos conceitos de certo e errado, aos nossos preconceitos, pois entendemos que somos muito mais além de tudo isso. Somos o todo e parte dele. Somos o universo. 

Espiritualidade então é esse transcender, seja da forma que for. Não tem nada a ver com crença, religião, com acreditar em algo após a morte, ou com acreditar que temos um fantasminha dentro da gente.

Carl Gustav Jung percebeu que todo ser humano traz de forma inata esse impulso por transcender, e isso é espiritualidade para Jung.

Quando nos perguntamos quem somos nós? De onde viemos? Pra onde vamos? Estamos buscando essa totalidade, buscando nos ampliar…

Mesmo no pensamento cientifico existe essa busca por ir além do ego, ir além dessa realidade material e racional que conhecemos, e isso é espiritualidade.

É exatamente esse impulso que nasce com todo ser humano, que Jung dizia ser fundamental para o processo terapêutico, pois se você não se percebe além do seu próprio ego, o processo de individuação não ocorre, fica estagnado.

A pessoa se identifica com suas emoções, com seus pensamentos, e nunca amplia porque fica presa na ideia do “eu sou isso”.

Hoje vemos como muitas pessoas se identificam com as patologias as quais são diagnosticadas,  ” eu sou ansiosa”, ” eu sou depressiva”, “eu tenho esse diagnostico x e por isso não posso fazer essa atividade”, sem perceberem o quanto isso é limitante e paralisante.

Quando o ego se identifica com algo ele não quer abrir mão daquilo. Isso é uma característica do ego, é como ele funciona, ele serve exatamente para a nossa construção de identidade, então ele não quer perder a identidade.

Isso é fundamental num primeiro momento da vida, no qual precisamos compreender quem somos para nos relacionar com o mundo externo. Porém existe sim um momento que precisamos nos compreender além disso.

Homem prestes a furar um balão escrito "Ego", demonstrando o quão frágil é o nosso ego. Vale também lembrar que não podemos confundir "ego" de jung e "ego" de "egoísta" por exemplo.

Quando nos identificamos com algo o processo de mudança se torna muito mais difícil. Se você percebe que você não é apenas o ego, você entende que você não é assim, você está assim, e então você pode mudar!

Você não é ansiosa, você está ansiosa devido a milhões de fatores externos e internos, mas você é muito mais do que isso, e consequentemente, você tem o poder de mudar isso.

O trabalho da Terapia Junguiana, o processo de individuação, se dá dessa forma, observamos e trabalhamos com símbolos, arquétipos, sonhos, meditações, acessando o inconsciente pessoal e coletivo, para que a pessoa se perceba além desse ego, para que ela perceba o universo que ela é e se aproxime da sua totalidade.

Como diria Jung: “A questão não é atingir a perfeição, mas sim a totalidade”. 

O Self seria o “resultado” do processo de individuação, que é esse processo de unir consciente e inconsciente se tornando uma totalidade. O Self é o centro da totalidade.

Enquanto o ego é apenas o centro do nosso consciente. O primeiro passo é compreender que não somos apenas o nosso ego, isto é, a nossa ideia de identidade, somos muito mais do que isso.

Se existem coisas que eu não me lembro, mas que eu sei que estão em algum lugar da minha psique, se existem os sonhos, os insights…




 

Já por aí sabemos que não somos somente o que está consciente. E o mais importante é perceber que nós observamos tudo isso, todo esse processo acontecer, quando algo vem à tona, uma lembrança, um trauma, quando sonhamos… existe “alguém” observando tudo isso, analisando tudo isso.

Existe “alguém” que olha de fora do ego pra esse ego, na terapia por exemplo. Então é esse observador que nós somos. E não o ego.

Isso nos traz uma sensação de liberdade, de que não estamos fechados em uma caixinha de condições de ser… não precisamos disso, porque não somos essa caixinha, somos do tamanho de um universo, infinito.

Antigamente as pessoas tinham diversos mitos e rituais presentes no seu dia a dia, que as ajudavam muito a fazer contato com essa transcendência e a lembrar que somos mais do que robozinhos programados pra trabalhar, produzir, ganhar dinheiro, casar e ter filhos.

A espiritualidade estava presente nesses rituais, os símbolos estavam presentes na vida e ajudavam a psique passar por seus processos de transformação.

No livro “Símbolos da Transformação” Jung diz que um símbolo pode transformar a sua vida. Porque o símbolo acessa diretamente a energia psíquica inconsciente, e pode causar uma transformação na energia psíquica, transformando você mesmo, sua forma de pensar, de agir, e logo toda a sua vida.

Hoje em nossa sociedade nós quase não trabalhamos com o simbólico, não temos mais rituais, nos distanciamos dessa linguagem e nos distanciamos da amplitude que tudo isso pode nos proporcionar.

Somos jogados num mundo acelerado onde temos que processar e digerir milhões de informações por segundo, passando por processos até mais intensos de mudança do que antigamente e sem nenhuma ajuda. Sem nenhuma pausa para fazer essa “digestão”.

Não é à toa que as doenças consideradas pela medicina “de fundo emocional” ou “psicossomáticas” tem aumentado tanto. Não é à toa que a busca por remédios psiquiátricos tem aumentado tanto.

E não é à toda que a sombra coletiva, isto é, tudo que está reprimido na sociedade (como o preconceito, a intolerância, a raiva, etc.) tem aumentado tanto.

>>Saiba mais sobre quem foi Carl Jung e sua relação com a religião!<<

Então precisamos sim, urgentemente,  olhar pra nossa espiritualidade. Precisamos sim acessar o que é simbólico, o que é transcendente, para nos compreendermos além dos egos e com esse ponto de vista mais amplo nos transformar, enquanto ainda há tempo.

Quando Jung e os Junguianos falam da importância da espiritualidade para o processo terapêutico, é sobre isso que estamos falando, sobre essa urgência de mudar o paradigma pessoal e social no qual nos encontramos atualmente.

“A mente só pode ser ampliada através da linguagem não racional.”, afinal como vamos ampliar algo a partir do que ele já é?

Busque ir além de suas certezas, duvide de quem você é, do que você vê, questione, sempre. Vá além de quem você acredita ser, para encontrar quem você realmente é.


Vanessa Martins é formada em Psicanálise Freudiana e Pós Graduada em Teoria e Prática Junguiana na Universidade Veiga de Almeida no Rio. Trabalha com atendimento clínico individual, adulto e infantil, tendo ministrado diversos cursos e workshops no Rio e em Campos. Sempre buscando alternativas para cuidar da saúde física e mental de seus clientes, Vanessa fez diversas formações como a formação na linha de Florais "Terapia de cristais Dharma", formação no estudo do Tarot Mitológico, em Aromaterapia e em Numerologia Cabalística. Também aprofundou seus estudos em diversos métodos de meditação e agregou à clínica, desde o início de sua carreira, conhecimentos da filosofia oriental como a prática de meditações, exercícios do yoga e dicas da medicina ayurvédica. Hoje trabalha com a prática de meditação na clínica associada ao processo terapêutico, tendo ótimos resultados.

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