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Saiba por que Você deve Valorizar os Momentos de Crise

Evitamos momentos de crises como forma de proteção à um estado de felicidade e segurança que tanto almejamos, mas que não existem da forma que imaginamos. Talvez, essa rejeição à crise venha da percepção que toda mudança é uma traição ao velho, e este processo de evoluir e deixar o que não faz mais sentido para trás é um pouco assustadora. Neste texto vamos abordar o tema trazendo um novo olhar: as crises nos trazem benefícios. É um convite para tentarmos tirar nossos receios das crises e enxergarmos quantas oportunidades de crescimento, amadurecimento e ampliação da consciência ela nos traz.

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Provavelmente este título deve ter causado uma certa estranheza. Como assim relacionar um momento difícil de uma crise com algo benéfico? Não estamos acostumados a olhar para estes momentos com bons olhos e por isso associamos sempre com algo ruim, algo que atrasa nossos planos. Talvez, em alguns casos, só muitos anos depois – quando já não somos mais afetados pelo acontecimento – é que conseguimos olhar para a situação e ver um sentido para tudo que aconteceu.

A dificuldade em aceitar a crise vem da crença de que ela é altamente nociva e, por conta disso, ao menor sinal dela, já providenciamos uma alternativa para não ter que encará-la ou então a despachamos para bem longe dos nossos olhos, como se isso fizesse ela sumir da nossa vida. E digo isso pois não é porque não lido com algo que este algo não existe: esse ‘bem longe’ é logo no nosso inconsciente; e fica armazenado até o momento propício para voltar.

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Vivemos em uma época onde é ensinado e propagado que uma vida feliz e de sucesso é uma vida só de ganhos, de alegria, sem problemas, sem dúvidas, onde tudo convive em uma perfeita ordem. Assim, quando algo vem e quebra este padrão linear, simplesmente ficamos desesperados. Essa ilusão de que devemos ir em busca da felicidade e que para isso devemos descartar todos os momentos de tristeza, desafios, frustrações, ou seja, tudo que vai contra esta ordem acaba se tornando mais sombrio do que realmente é.

Como reação à esta busca de uma vida onde só cabe o certo, o fácil e o feliz, nos tornamos plastificados. Não nos permitimos entrar em contato com emoções contrárias, com situações novas, acreditando que esta blindagem toda nos dará segurança e assim viveremos felizes como idealizado. Não percebemos o quanto nos tornamos reféns de atitudes repetitivas pois assim diminuímos o risco do novo mexer com a nossa estrutura. E este outro lado que também é nosso e que precisa ser olhado fica no nosso inconsciente pedindo espaço. Ele é alimentado a cada vez que gastamos energia tentando escondê-lo.

“Uma pessoa não se torna iluminada ao imaginar formas luminosas, mas sim ao tornar consciente a escuridão. Esse último procedimento, no entanto, é desagradável e, portanto, impopular. ” (JUNG, retirado do livro Ao Encontro da Sombra, pg 28)

Encarando a crise de frente

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Olhar para a desordem, olhar para o medo, olhar para a angustia realmente não é uma tarefa fácil. Exige coragem e dedicação. Coragem, pois podemos nos deparar com um lado mais denso de nós mesmos; dedicação pois é um trabalho que não pode ser feito de maneira superficial mas deve respeitar a prontidão e os limites de cada um. Ou seja, a crise deve ficar o tempo necessário e não o tempo que achamos que ela deve ficar – e aqui a ideia de simplesmente ignorar as crises fica cada vez mais impraticável.

Existe beleza atrás de tanta confusão nesses períodos. São nos momentos de crise que mais aprendemos sobre nós mesmos; são esses momentos que nos fazem amadurecer, compreender muito sobre nossa vida e nos permite mudar o que já não faz mais sentido para nós. Assim, todo processo evolutivo acontece depois de uma crise.

Uma ação linear, repetitiva não nos traz nada de novo. E se torna prejudicial quando resistimos à mudança tentando manter a condição inicial onde todo o ambiente externo está mudando. Gastamos mais energia psíquica para manter a condição artificial do que se permitíssemos que a adaptação acontecesse conforme o fluxo natural das situações. Toda vez que a adversidade se torna mais forte do que nossas convicções, nós sofremos. James Hollis fala que “muitos dos nossos vícios, apegos ideológicos e neuroses são maneiras de fugir ao sofrimento” (Hollis, James. Os pantanais da Alma. p. 10) ressaltando que entramos em um sofrimento maior ao tentar negar o sofrimento/desconforto de uma mudança; sem querer, fazemos da crise algo maior do que ela poderia ser.

Não devemos nos enganar. Não se atinge a felicidade negando a tristeza. Ao contrário, seremos felizes (no sentido de atingir uma plenitude, uma paz) quando pudermos conviver com momentos de alegrias e tristezas, respeitando os ciclos da vida, as dualidades de todos os sentimentos e estados.

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“Qualquer árvore que queira tocar os céus precisa ter raízes tão profundas a ponto de tocar os infernos. ” (JUNG, O Eu e o Inconsciente, pg 151)

Jung ao longo de sua obra, pontuou que o objetivo da vida é a busca do sentido, a busca da sua totalidade. E não se pode confundir isso com a busca da perfeição; a totalidade é a sua luz e sua sombra; todos os aspectos que falam sobre você mesmo e que te fazem único por isso.

É o ego e sua visão estreita de mundo que quer perseguir a segurança, a dominação e a eliminação do conflito. Negar o momento de crise é a negação de uma mudança. E talvez fugimos tanto dessas mudanças por elas representarem uma traição ao velho, a tudo que nos acompanhou até o momento, sejam elas ideias, padrões, valores, crenças ou sonhos.

E é o self, aquela nossa parte que tudo sabe e que já é, que nos dá sinais de que algo está saindo da rota, que já temos prontidão para mudar e assim, aos poucos, nos auxiliar no processo de ampliação da consciência. Se considerarmos a crise como um sintoma, ela seria um pedido de cura, clamando por uma transformação.

 “(..)Esse processo [individuação] corresponde ao decorrer natural de uma vida, em que o indivíduo se torna o que sempre foi. E porque o homem tem consciência, um desenvolvimento desta espécie não decorre sem dificuldades; muitas vezes ele é vário e perturbado, porque a consciência se desvia sempre de novo da base arquetípica instintual, pondo-se em oposição a ela. Disto resulta a necessidade de uma síntese das duas posições. ” (JUNG, Os arquétipos e o inconsciente coletivo, pg 49)

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Assim, deixo aqui meu convite a olhar para os momentos de crise como uma grande oportunidade para reavaliação e transformação. Não tiro a importância da cautela, não subestimo o medo e desconforto que ela gera. Apenas quero incentivar uma tentativa de não postergar o trabalho pelo receio de não dar conta. Devemos olhar para a resistência das mudanças como uma resistência a evolução; e então nos perguntar: “A que vem este receio e o que eu estou tentando evitar?

As mudanças nos permitem evoluir. Transgredir. Devemos então agradecer a crise por nos mostrar o que estava adormecido. Sem este sintoma, não seriamos capazes de galgarmos mudança alguma – ora, também gosto do conforto, da estabilidade, da previsibilidade. Tudo isso tem também a sua importância. Só não podemos estagnar na vida por medo dos processos de transformação.

“O principal objetivo da Terapia Psicológica não é transportar o paciente para um impossível estado de felicidade, mas sim ajudá-lo a adquirir firmeza e paciência diante do sofrimento. A vida acontece no equilíbrio entre a alegria e a dor. Quem não se arrisca para além da realidade jamais encontrará a verdade” (C. G. Jung)

Não boicote seu processo. Procure ajuda se precisar. Se encare sem medo. Enfrente tudo aquilo que te paralisa e permita que uma nova versão de você seja apresentada à sua consciência. Tenho certeza que ao passar pelo primeiro portão do desconhecido e temeroso mundo da crise você vai se encantar com as infinitas possibilidades e transformações. E o que antes era pesado e gigante será do tamanho exato da sua prontidão.

Boa sorte no caminho. E que a crise lhe traga benefícios.

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