Las enfermedades son disturbios de procesos normales, y nunca una entia per se, dotados de una psicología autónoma. (Jung, 1935a)
Situar a psicopatologia como uma variante do desenvolvimento simbólico-arquetípico normal é uma tarefa metodológica hercúlea, que necessita considerar grandes deformações históricas para reformular conceitos básicos que misturaram normal e patológico.
Patologização histórica do normal
Quatro deformações históricas patologizaram indevidamente a dimensão psíquica normal. A primeira, mítica, origina-se na Gênese. A ampliação da Consciência de Adão e de Eva é considerada tão má que justifica sua expulsão do Paraíso.
A segunda originou-se na luta da ciência contra a Inquisição pela implantação do método científico na universidade. Ao vencê-la e expulsar a Inquisição, no final do século dezoito, a ciência consagrou a objetividade e baniu o subjetivo e a religião. Instalou-se a dissociação subjetivo-objetivo na Cultura Ocidental, origem do materialismo do século dezenove. O subjetivo levou com ele as funções do sentimento (da ética), da intuição, da introversão e da relação emocional com o universo, pejorativamente associados à supertição, ao dogmatismo, fanatismo, charlatanismo e ao erro no método científico.
A terceira deformação histórica adveio da “redescoberta” do subjetivo, na Medicina, pela patologia. A descoberta do normal através da doença até hoje dificulta perceber a transição do normal para a patologia. É mais fácil para um médico rotular de depressivo um paciente que sofre e chora do que lhe perguntar porque está triste.
No final do século dezoito, o subjetivo começou a ser resgatado por Pinel. Paralelamente, com sua teoria do “magnetismo animal”, Mesmer iniciou o estudo do subjetivo normal, que, no século dezenove, foi continuado com a hipnose, sobretudo na histeria. Esta porta serviu para Liebault e Bernheim entrarem na dimensão subjetiva inconsciente normal e patológica, fechando-se outra vez para o subjetivo inconsciente normal, quando Charcot ignorou o trabalho deles e afirmou na Academia de Ciências de Paris que somente pacientes histéricos eram hipnotizáveis.
A quarta patologização histórica ocorreu quando Freud descreveu a formação do Ego através do Id e reduziu as relações primárias ao complexo de Édipo, o inconsciente ao inconsciente reprimido e a criança ao perverso-polimorfo.
Patologização do normal pela Psicanálise
As descobertas geniais de Freud da formação da identidade desde a infância, sexualidade infantil, inconsciente reprimido, complexo de Édipo, mecanismos de defesa do Ego, compulsão de repetição, complexo de castração, resistência e transferência defensiva teriam sido um avanço espetacular para descrever a Psique normal e protegê-la da deformação patológica. Porém, ao acreditar que a patologia descoberta configurava características normais das crianças, que necessitariam da repressão para sublimar-se e compatibilizar-se com o convívio social, a Psicanálise tornou-se fonte exuberante de deformação psicológica pela patologização. Ao denunciar a repressão sexual puritana da Era Vitoriana, e “descobrir” o “perverso-polimorfo normal”, patologizou a Psique, justificou sua repressão e negou qualquer possibilidade de desenvolvimento livre e criativo para realizar o potencial genético. O ser humano foi considerado instintiva e “cientificamente” homicida e perverso, e necessitado da repressão para civilizar-se.
Indubitavelmente, uma regressão mítica ao Velho Testamento e ao conceito cristão de pecado original. O redutivismo da libido à sexualidade foi também muito deformante para a Psicologia, mas menos que a patologização do normal. Jung também adotou essa tese, quando escreveu:
Em 1906 iniciei uma relação com Freud que interrompi em 1913, depois de sete anos de colaboração devido a diferenças sobre pontos de vista científicos. Nossa separação ocorreu devido a questões de princípios, sobretudo o reconhecimento de que a psicopatología não pode nunca basear-se exclusivamente na psicologia da enfermidade mental, que a restringiria ao patológico, senão que deve incluir a psicologia normal e toda a extensão da Psique. A medicina moderna se baseia no princípio de que a patologia deve ser estudada a partir do conhecimento esmerado da anatomia normal e da fisiologia. O critério segundo o qual nós estudamos a enfermidade não deve e não pode limitar-se à enfermidade em si mesma, como pensavam muitos médicos medievais. Deve basear-se na variação do normal. A enfermidade é uma variação do normal. As mesmas considerações se aplicam à terapia. (Jung, 1935b) (grifo meu).
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Desenvolvimento normal pelos arquétipos
Ao romper com a Psicanálise, por equacionar libido com energia psíquica, Jung começou a libertar a Psicologia, mas a abertura para o estudo da subjetividade, incluindo sua dimensão inconsciente, só ocorreu quando ele descreveu os arquétipos do Inconsciente Coletivo e o Processo de Individuação. Através desses conceitos, Jung lançou os alicerces para o desenvolvimento normal da Consciência Individual e Coletiva. Deixou faltar, porém, a descrição da formação arquetípica do Ego, descoberta, mas patologizada por Freud. Quando os pósjunguianos finalmente descreveram a formação arquetípica do Ego, não conceberam como e quando o desenvolvimento se torna patológico. Para isso, precisamos rever o conceito de Sombra, de Jung.
A Psicologia Simbólica Junguiana e a formação arquetípica do Ego A descrição da formação do Ego pelos arquétipos iniciou-se com Jolande Jacobi (1952), seguiu-se com Fordham (1969), Neumann (1970) e depois muitos outros.
Após descrever a formação do Ego pelo Self num processo que chamou de deintegração integração progressiva, Fordham adotou em grande parte o processo de desenvolvimento formulado por Melanie Klein, que inclui a patologização e, por isso, é inútil para nosso propósito (Fordham, 1969).
Em A Origem e a História da Consciência, Neumann (1949) retomou, no nível mitológico e arquetípico, a idéia de Bachofen, de que o matriarcal havia precedido o patriarcal na cultura.
Posteriormente, aplicou essa concepção ao desenvolvimento da criança, numa publicação póstuma, que não sabemos o quanto ainda seria revista (Neumann, 1970). Com sua obra, deixou, dentre outras, quatro contribuições muito importantes para formular o desenvolvimento normal da Consciência e do Ego a partir dos arquétipos: os conceitos de Eixo Ego-Self, automorfismo, centroversão e realidade unitária.
Continuando as obras de Jung e de Neumann, busquei aprofundar-me no desenvolvimento arquetípico da Consciência e perceber quando ele se torna patológico.
Denominei este caminho teórico de Psicologia Simbólica Junguiana para delimitar claramente os conceitos adotados e construir uma perspectiva simbólico-arquetípica para separar o normal do patológico.
Os símbolos abrangem todas as entidades psíquicas
Ampliei o conceito de símbolo unificador da polaridade consciente-inconsciente, formulado por Jung, para englobar todas as polaridades psíquicas, inclusive as representações subjetivas e objetivas e as pessoais e coletivas. Assim, os símbolos passam a incluir, junto com a imagem, também palavra, número, som, idéia, emoção, conduta, natureza, corpo e sociedade. Acredito que a equiparação feita por Jung de libido com energia psíquica só pode ser realmente implementada quando assumimos que tudo na Psique é símbolo, cujos significados ligam a parte com o Todo.
[…] a Sombra é expressa dominantemente de maneira inconsciente, mas, conforme é confrontada, torna-se mais […]