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Jung e Freud: Opostos ou Complementares?

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Jung, ao lado de Freud, foi um dos precursores da Psicologia Profunda, mostrando que a psique se estende muito além da consciência. Jung fez alguns experimentos de associação de palavras e, a partir deles, introduziu a noção de complexo, palavra hoje popularizada.

Ele percebeu que, diante de determinadas palavras indutoras, surgiam reações diferentes e a pessoa, por exemplo, tinha um tempo de reação mais longo, ou gaguejava, ou empalidecia, enfim, saía de seu padrão de reação. Jung percebeu que os estímulos que provocavam estas reações estavam associados com situações, vivências, emoções que a pessoa não conseguira integrar em sua consciência. A esses conteúdos deu o nome de complexo.

Jung propôs que o trabalho analítico ocorresse frente a frente, que paciente e terapeuta sentassem um diante do outro, incluindo com isso a presença das reações emocionais do terapeuta. A ideia de o terapeuta ser uma página em branco é deixada de lado e a presença objetiva do terapeuta, e de seu mundo subjetivo, passam a ser considerados importantes para o paciente.

A ideia de que o terapeuta é a pessoa saudável e que tudo sabe, e que o paciente é o doente e inconsciente, também é revista, pois, embora o papel do terapeuta seja distinto daquele do paciente, ambos têm luz e sombra, o que permite o estabelecimento de uma relação mais simétrica entre eles.

Ao introduzir a noção de libido como energia psíquica, Jung amplia o conceito de libido proposto por Freud, retirando dele a conotação exclusiva de sexualidade. Isto abre a porta para a ideia de individuação, da busca de autorrealização, como um impulso inerente a todos os seres humanos, assim como a espiritualidade, a criatividade, a vocação etc.

Com a ideia de arquétipo, também introduzida por Jung na Psicologia, temos a consciência de que possuímos uma base universal, um tipo de funcionamento que é próprio da nossa espécie, e que está no fundamento de nossos instintos, de nossas reações, emoções, de nosso modo de ser. Jung atribui aos arquétipos a expressão do inconsciente coletivo, mas é importante ressaltar que hoje se sabe que a consciência também é arquetípica, pois não existe vivência humana, por mais particular e única que seja, que não esteja alicerçada em uma experiência humana universal. Carlos Byington, analista junguiano brasileiro, foi quem desenvolveu e fundamentou a noção de padrões arquetípicos da consciência.

Jung e Freud: Complementares

O pensamento de Freud e Jung são complementares no que tange ao estudo do desenvolvimento da personalidade. Enquanto Freud deu muita importância à formação do Ego na infância, Jung dedicou-se mais ao desenvolvimento da personalidade na vida adulta, enfatizando sobretudo o processo de individuação na segunda metade da vida.

Freud, porém, considera central para a formação da personalidade o desenvolvimento da sexualidade, ao passo que Jung considera a sexualidade um aspecto da vida, sem dar a ela importância fundamental.

Freud também vai se preocupar com as causas de um sintoma, chegando a crer que, se as causas fossem descobertas, os sintomas se extinguiriam. Jung aponta a importância prospectiva de um símbolo, e assim introduz uma visão finalista nos símbolos. Com isso, importância é dada não apenas ao “porque” surge um sintoma, mas também ao “para que” ele emergiu.

Outro ponto a ser destacado quando cotejamos as ideias de Freud e de Jung diz respeito à noção de símbolo. Como para Freud o centro de sua Psicologia era a sexualidade e o Complexo de Édipo, ele via, por exemplo, nos símbolos oníricos, disfarces que encobririam aspectos ligados à sexualidade e ao Complexo de Édipo. Para Jung, um símbolo nunca possui um único significado, e nem uma interpretação fixa. Ele também não via as expressões oníricas como disfarce, acreditando que a psique se expressa numa linguagem arcaica e simbólica. Ao invés de atribuir aos símbolos significados fixos, Jung considera que eles são a melhor expressão para aquilo que é pressentido e ainda não sabido.

A ideia do inconsciente, para Freud, associa-se a algo que surge na vida pessoal e que estaria composto de material esquecido, reprimido, negado, fixado, bem como de conteúdos traumáticos. Jung, por sua vez, atribui ao inconsciente um caráter também criativo, capaz de trazer à consciência conteúdos não apenas associados a experiências individuais, mas coletivas, impessoais, universais. Também neste aspecto podemos considerar complementares as visões de Freud e de Jung.

Como já foi mencionado, Freud fundamentou sua teoria na sexualidade. Assim sendo, era natural que outras dimensões psíquicas não fossem consideradas por ele como genuínas, mas como uma derivação – seja por regressão, negação, fixação, sublimação ou outros mecanismos de defesa – da sexualidade. Assim, a espiritualidade entrou como algo, por assim dizer, ilegítimo, neurótico e doente. Freud chega a repudiar o interesse de Jung pelos chamados fenômenos ocultos, temendo que isso lançasse a psicanálise na lama do ocultismo. Nesta época, Freud e Jung ainda se relacionavam.

A relação pessoal de dois gênios

A relação entre Freud e Jung foi marcada pela personalidade genial de cada um deles, mas também pela dificuldade de lidarem com seus complexos. Freud, 19 anos mais velho, e fixado, pessoal e teoricamente no Complexo de Édipo, colocava-se no lugar do pai e exigia de Jung uma aceitação irrestrita a suas ideias, imputando obsessivamente a ele uma atitude parricida a cada discordância. Jung, por outro lado, tinha também um complexo paterno negativo. Seu pai recusara-se a refletir sobre o dogma da Trindade, afirmando que um dogma não é para ser discutido nem compreendido pela razão. Com isso, Jung ficava indignado, revoltado e com aversão a um “pai” (Freud) que exigia obediência cega, sem abertura para a reflexão e para a dimensão simbólica.

Jung desejava ter com Freud um relacionamento simétrico, em que os dois se abrissem para a verdade e o estudo dos símbolos. Freud preferia um relacionamento em que ele permanecesse como figura de autoridade e desse sempre a última palavra. Precisamos perceber que estes dois gênios que criaram a Psicologia Profunda não puderam usufruir de suas próprias descobertas, pois não tiveram analistas. Com isto, impedidos pelas circunstâncias de fazerem uma análise pessoal, projetaram um no outro seus complexos, o que os levou a uma ruptura trágica e irreversível, tanto no âmbito científico como pessoal.

Só podemos lastimar este desfecho, pois esta separação, ocorrida em 1913, feriu tão profundamente a Psicologia Moderna que somente agora, mais de 100 anos depois, ela começa a se recuperar graças à Psicologia Simbólica Junguiana, de Byington, que propõe conjugar a Psicanálise e a Psicologia Analítica. Esta proposta de síntese entre as duas escolas contempla o desenvolvimento da formação do Ego na infância e sua patologia (Freud) coordenado pelos arquétipos (Jung) e o desenvolvimento da personalidade na segunda metade da vida, com a busca de autorrealização (Jung), ambos inseridos no processo de individuação.

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6 COMENTÁRIOS

  1. Muito bom o texto, gosto muito do site, mas tem uma informação equivocada (na verdade incompleta) nele.

    O conceito de libido na Psicanálise era exclusivamente sexual antes do rompimento com Jung e inclusive, esse foi um dos motivos do rompimento, porém depois da cisão, com o passar dos anos, Freud foi revisando e reformulando as suas teorias e a libido não é mais tratada como exclusivamente sexual. O conceito de sexualidade também foi ampliado, mas de fato a sexualidade é vista com mais importância pela Psicanálise que pela Psicologia Analítica.

    • Olá Garoto de outro planeta,
      gratidão pelo comentário. Dei uma olhada no seu blog e gostei, é criativo e informativo.
      Adoro projetos assim!
      Parabéns!
      Abs
      Lino

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