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Com que persona eu vou?

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É natural que quando queremos nos apresentar a alguém ou à determinada ocasião, escolhemos trajes que consigam passar a imagem que queremos. Mas este recurso é também usado diariamente quando nós queremos nos adequar às situações cotidianas. Este recurso é chamado de Persona – em latim, significa máscara de um ator, que, por sua vez, representa o papel dele dentro de uma peça; já o significado psicológico dado por Jung é um recurso da personalidade desenvolvida e usada para a interação com o mundo exterior, podendo ser chamada de máscara social.

“(…)máscara que aparenta uma individualidade, procurando convencer aos outros e a si mesma que é individual, quando na realidade não passa de um papel ou desempenho através do qual fala a psique coletiva. ” (JUNG, O Eu e o Inconsciente, pg 151)

É através da persona que o nosso Ego se relaciona com o mundo exterior. E graças a este recurso, vamos nos adaptando aos acontecimentos, permitindo uma certa harmonia nos relacionamentos dentro de uma sociedade. Quando olhamos para o termo e o associamos com máscara, temos uma tendência natural de interpretar como algo negativo, como algo que engana ou que esconde uma outra face. Mas nem em todos os casos o uso da persona é prejudicial, ela apenas se torna prejudicial quando a pessoa se identifica com uma dessas facetas. Um exemplo bem fácil para ilustrar isso é o presidente tirano de uma empresa que não consegue “tirar o crachá” com os familiares, não se reconhece mais sem o título, não se permite ser mais maleável e amável com os filhos, etc. Quantas pessoas vemos nesta situação, não é mesmo?

Persona

Ter consciência quando o uso da persona se faz necessário é saudável, pois nos permite adequar os relacionamentos dentro do seu respectivo ambiente. Mas sem esquecer do limite que não a usa para enganar ou manipular algo ou alguém. É ter consciência e se adequar, não se transformar em uma outra pessoa. No exemplo acima, seria natural que este presidente fosse um indivíduo maleável, porém firme como sua posição exige, e que esta postura fosse adequada sempre a cada ambiente que ele frequentasse, mas que sempre a essência estivesse ali, presente.

“O problema da persona surge quando nos identificamos demais com ela. Quando achamos que somos aquela persona que estamos vestindo, a persona está sendo mal empregada. (…) sua personalidade real fica oculta e elas ficam limitadas pelo papel representado pela persona. (…) A identificação com a persona leva ao artificialismo, falsidade e superficialismo da personalidade. ” (Sandford, John. Mal, o lado sombrio da realidade, pg 88)

Quando a persona invade o relacionamento pessoal

Em qualquer relacionamento, no momento em que eu me apaixono, projeto no outro todas as expectativas e todas as qualidades que eu admiro para um relacionamento. É muito comum também que nesta fase, para não quebrar a magia que se instalou, o outro se esforce para continuar sendo exatamente como foi idealizado. É nessa hora que inconscientemente a pessoa abafa a própria essência para dar lugar a uma personagem que tem uma função, valores e trejeitos que correspondem às expectativas criadas neste relacionamento. Falando de forma mais teórica, é nesta hora que a persona se instala fazendo com a pessoa não saiba mais quem é ela e quem é esta pessoa que está se relacionando.

Persona conjugal

Em um relacionamento saudável é vital que duas pessoas o mais consciente possível se relacione. É preciso saber o que é de um e o que é do outro, trazendo mais consciência para o casal. Nesse diálogo ambos começam a compreender qual papel cada um exerce; quais são os limites, as expectativas de cada um para a vida e com o outro.

Seguindo por este raciocínio, quando eu sei quem sou eu e qual é o meu limite, começo a ter mais claro quais situações eu posso ceder. Na filosofia oriental Indiana, acredita-se que os relacionamentos são baseados em trocas onde cada um sabe e preserva a sua própria individualidade e também a individualidade do parceiro. E juntos, criam a possibilidade de uma evolução individual e espiritual, abrindo-se para o diálogo com a sua própria essência e experimentando este processo na relação com o cônjuge. Assim, por exemplo, vamos imaginar um casal onde a mulher sente a necessidade de se energizar na praia e o homem no campo. Não deveria ser um problema cada um deixar claro a sua preferência e poder ir até o local que recarrega as energias sem que isso se transforme em uma crise. Mas se um dia a mulher sentir a necessidade de ir para a praia e comentar com o marido que gostaria que ele fosse junto, mesmo que ele prefira o campo; e ele consegue perceber que mesmo não curtindo tanto a praia, ele pode aceitar o convite e fazer companhia para ela sem que isso seja uma violência da sua própria vontade. Ou seja, não se está abrindo mão da sua essência, do que se gosta, mas sim está respeitando uma vontade do seu parceiro já que naquele momento acompanha-lo não vai trazer nenhum prejuízo para você. Trazendo a história para o Jung, podemos associar este pensamento com o processo de individuação, onde quanto mais eu mergulho em busca do meu self, mais coletivo eu me torno pois se amplia a consciência e o outro, o ambiente, a natureza…tudo faz parte de mim. Me conecto ao todo.

individuação

Infelizmente é mais fácil identificar relacionamentos onde cada cônjuge veste sua persona conjugal e passa a se tornar uma outra pessoa no relacionamento. Perde-se o eu e entra a esposa e o marido; a mãe ou pai de fulano. Como já falamos anteriormente, é natural que se passe a assumir uma persona de esposa e marido e tantas outras funções, mas isso não deveria anular as outras faces que o indivíduo carrega. Entender o papel que cada um exerce serve para ampliar a visão da dinâmica familiar. É preciso vigiar constantemente para que a persona conjugal não se transforme em uma máscara onde ao se olhar no espelho ou até mesmo olhar para o cônjuge e não mais enxergar quem está atrás dela, se escondendo. Cuide-se para que a persona conjugal não dê espaço para uma alienação do seu próprio ser e das próprias vontades. Para ambos crescerem e evoluírem como pessoa é preciso aprender a se reconhecer e também a conviver com uma pessoa que tem suas características próprias e não que seja uma mera fantasia nossa, que só corresponda ao que o ego quer e não ao que o nosso self precisa. O self sempre sabe…

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