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Jung e os Evangelhos Perdidos: o Cristo Arquetípico e a Alma Gnóstica

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Jung e os Evangelhos Perdidos é uma obra escrita por Álvaro Guimarães que propõe uma jornada profunda pelo encontro entre a psicologia analítica e os textos gnósticos.




Textos eses que foram, por séculos, suprimidos da tradição cristã oficial.

O livro revela como Carl Gustav Jung encontrou nos chamados evangelhos apócrifos não apenas registros históricos ou doutrinais, mas verdadeiros mapas simbólicos da alma.

Este artigo reúne os principais pontos do livro e mostra como os evangelhos gnósticos, especialmente os de Tomé, Maria Madalena e Filipe, foram para Jung uma fonte de inspiração espiritual e psicológica.

Vamos entender como esses textos silenciosos podem nos ajudar a ouvir a voz do Self, em uma época em que a alma busca por sentido e reconexão.




Neste artigo você verá:

O Encontro de Jung com o Gnosticismo

Antes de tudo, é importante lembrar que Carl Gustav Jung não era um teólogo, mas um psicólogo da alma. Ainda assim, ele foi profundamente influenciado por textos religiosos, especialmente aqueles que, durante séculos, foram considerados heréticos ou proibidos. Entre eles estão os evangelhos descobertos em Nag Hammadi, no Egito, em 1945.

Esses textos revelam um cristianismo muito diferente daquele institucionalizado pelos Concílios. Um cristianismo que falava da experiência direta com o divino, sem a intermediação da Igreja.

Segundo Guimarães:

“A gnose não é doutrina. É vivência. É escuta interior. É o saber da alma que reconhece, em meio à névoa da linguagem, um chamado à inteireza.”
(GUIMARÃES, 2019, p. 18)

Para Jung, o gnosticismo não era uma heresia do passado, mas um reflexo simbólico da psique humana. Era a tentativa da alma de representar, por meio de imagens espirituais, o drama da individuação.

O Cristo como Arquétipo do Self

Um dos pontos centrais do livro é a ideia de que o Cristo dos evangelhos gnósticos representa o arquétipo do Self, ou seja, o centro regulador da psique. Diferente da visão dogmática, que coloca Cristo como um salvador externo, Jung via na figura do Cristo gnóstico um mediador entre opostos, uma imagem da totalidade que o indivíduo busca realizar ao longo da vida.

“Para Jung, o Cristo é o arquétipo vivo do Self, aquele que traz o centro e o sentido à alma em sua jornada pelo mundo interior.”
(GUIMARÃES, 2019, p. 36)

Assim, quando o Evangelho de Tomé afirma:

“Se vos perguntarem: de onde viestes?, respondei: viemos da luz, de onde ela surgiu por si mesma.”
(Logion 50)

Não se trata apenas de uma mensagem mística, mas de um símbolo da origem arquetípica da consciência. Para Jung, essa luz é a centelha divina que habita o inconsciente profundo de cada um.

O Evangelho de Tomé: Um Caminho Iniciático

Entre os textos gnósticos, o Evangelho de Tomé ocupa um lugar central no livro. Ele é composto de 114 logions (ditos) atribuídos a Jesus, muitos deles enigmáticos, simbólicos, poéticos.

Para Guimarães, esse evangelho é uma verdadeira ferramenta de individuação, pois propõe um caminho que exige a escuta interior e a reconciliação dos opostos. Por exemplo, no logion 22, Jesus diz:

“Quando fizerdes o dois um, e o dentro como o fora, e o alto como o baixo, então entrareis no Reino.”

Jung via essa frase como uma clara expressão da integração arquetípica da psique: a união dos opostos, a reconciliação das polaridades que habitam o inconsciente.

Esse evangelho, segundo Guimarães, não se propõe a ser entendido intelectualmente. Ele é um koan cristão, uma frase enigmática que rompe o raciocínio e convida à transformação.

Maria Madalena e o Retorno do Feminino Sagrado

Outro ponto marcante do livro é a abordagem sobre Maria Madalena, que nos evangelhos canônicos foi reduzida à condição de pecadora arrependida, mas que nos textos gnósticos ressurge como a discípula mais próxima de Jesus, aquela que compreendia o ensinamento a partir do coração.

O Evangelho de Maria apresenta Madalena como uma mestra espiritual, guardiã da sabedoria. Para Jung, essa figura representa o arquétipo da Anima, o feminino interior que faz a ponte entre o ego e o Self.

“Madalena não compete com Pedro. Ela representa a escuta sensível, o acolhimento do invisível. Ela é Sophia, a sabedoria encarnada.”
(GUIMARÃES, 2019, p. 55)

Neste sentido, recuperar Madalena não é apenas um ato histórico, mas um gesto simbólico de cura da alma coletiva. É integrar o feminino rejeitado, a intuição banida, o corpo silenciado.

A Gnose como Caminho Interior e Psicológico

Outro ponto fundamental que o livro aborda é que a gnose, como proposta espiritual, é essencialmente um caminho interior — e é isso que a aproxima da psicologia analítica.




A gnose não exige crença, mas escuta. Não requer dogmas, mas presença. Ela convida o indivíduo a tomar consciência de si mesmo e a buscar dentro de si as respostas para os dilemas da existência.

Para Jung, esse caminho é o mesmo da individuação: sair da massa indiferenciada e ir em direção à totalidade psíquica. A gnose oferece imagens, mitos e símbolos que servem como pontes entre o inconsciente e a consciência.

“A gnose, como a análise, é um processo de revelação interior, onde o símbolo é o instrumento que conduz o olhar à profundidade.”
(GUIMARÃES, 2019, p. 71)

O Silêncio como Verbo: o Vazio Criativo da Alma

Por fim, o livro mostra que os evangelhos gnósticos, especialmente Tomé, convidam ao silêncio simbólico, à escuta do invisível.

Jung reconheceu que há momentos em que as palavras não bastam. E que o encontro com o Self não se dá por instrução racional, mas por experiências numinosas, muitas vezes inexplicáveis.

Assim, a jornada gnóstica, tal como a jornada analítica, passa por uma morte simbólica do ego, seguida de um renascimento. Um esvaziamento das certezas, para que o novo possa emergir.

Essa experiência é o próprio processo terapêutico e espiritual:

  • Parar de repetir doutrinas prontas;
  • Silenciar as vozes externas;
  • Deixar que o símbolo fale.

Os Evangelhos Perdidos como Espelho da Alma

O livro Jung e os Evangelhos Perdidos é uma ponte entre dois mundos: o mundo da espiritualidade esquecida e o mundo da psique que busca reencontro com o Sagrado.

Para Jung, o Cristo gnóstico não é um salvador externo, mas uma imagem interior, que nos convida ao processo de individuação, à escuta do Self, à reconciliação com o feminino, com o corpo e com o mistério.

O livro de Álvaro Guimarães nos ajuda a compreender como esses textos milenares continuam vivos dentro de nós, como símbolos, como metáforas, como mapas.

“Os Evangelhos Perdidos não foram escritos para informar. Foram escritos para transformar.”
(GUIMARÃES, 2019, p. 87)

E talvez seja essa a maior contribuição dessa obra: mostrar que o verdadeiro evangelho não é aquele que se lê com os olhos…
…mas aquele que se acende na alma.

📚 Referência ABNT

GUIMARÃES, Álvaro. Jung e os Evangelhos Perdidos: A alma, o verbo e o vazio. São Paulo: Cultrix, 2019.