Todos que aqui nos acompanham irão concordar que vivemos na era da velocidade. Se ligarmos a TV hoje (22/08/2017), no canal ESPN+, uma oportunidade nos é dada de assistir a Vuelta de España, evento mundial do ciclismo que é iniciado no sul da França em direção à Espanha. Mas, vocês podem perguntar o que esta cena se relaciona com o tema deste artigo?
Respondo:- a velocidade, a passagem do tempo. Isso mesmo, não pelo esporte em si, mas pelo seu tempo, pois esta corrida acontece no verão da Europa. Há exatamente um ano atrás, estava ligada neste canal e a sensação do tempo ao me deparar com a cena novamente é que tinha sido ontem!!!
Parece loucura não é? Jung em seu livro Memórias, Sonhos e Reflexões, diz: “O mundo no qual penetramos pelo nascimento é brutal, cruel e, ao mesmo tempo, de uma beleza divina. Achar que a vida tem ou não sentido é uma questão de temperamento… [] a vida tem e não tem sentido, ou então possui e não possui significado. Espero ansiosamente que o sentido prevaleça e ganhe a batalha.” (p.322)
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Como podemos dar sentido à vida, considerando o processo de individuação frente à batalha do tempo que travamos todos os dias? Este artigo tem por objetivo trazer alguns pontos para esta reflexão.
Afinal, o que é individuação?
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Para Jung é um processo de equilíbrio psíquico, um princípio que ele entendia como subjacente a toda atividade psíquica.
O conceito de individuação desempenha papel não pequeno em nossa psicologia. A individuação, em geral, é o processo de formação e particularização do ser individual e, em especial, é o desenvolvimento do indivíduo psicológico como distinto do conjunto, da psicologia coletiva. É, portanto, um processo de diferenciação que objetiva o desenvolvimento da personalidade individual. É uma necessidade natural; e uma coibição dela por meio de regulamentos, preponderantemente ou até exclusivamente de ordem coletiva, traria prejuízos para a atividade geral do indivíduo. A individualidade já é dada física e fisiologicamente e daí decorre sua manifestação psicológica correspondente. Colocar-lhe sérios obstáculos significa deformação artificial. É óbvio que um grupo social constituído de indivíduos deformados não pode ser uma instituição saudável e capaz de sobreviver por muito tempo, pois só a sociedade que consegue preservar sua coesão interna e seus valores coletivos, num máximo de liberdade do indivíduo, tem direito à vitalidade duradoura. Uma vez que o indivíduo não é um ser único, mas, pressupõe também um relacionamento coletivo para sua existência, também o processo de individuação não leva ao isolamento, mas a um relacionamento coletivo mais intenso e mais abrangente. (OC Vol.6 ,p. 426/427).
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Partindo desta citação compreendemos a complexidade deste processo. Escrever sobre ele não é algo fácil, pois requer abertura, antes de tudo, para seu entendimento, afinal, não somos apenas seres únicos somos também seres coletivos, onde as ações do contexto diário nos atravessam, onde milhares de pensamentos nos habitam, alguns que dominamos alguns que nos damos conta e outros não.
Durante a minha formação em psicologia, lembro-me de um exemplo citado pela professora da abordagem psicanalítica, quando tentava nos explicar o que era o termo inconsciente.
Ela dizia que, por exemplo, do momento que entravamos pela porta da faculdade até a chegada à sala de aula, nossa mente era tomada de várias cenas das quais nem sequer tínhamos ideia do seu registro.
Compreender este ponto é um princípio importante para tomarmos conta do quanto não somos, de fato, totalmente, seres de nós mesmos, sendo assim, fundamental reconhecer que isto também nos constitui.
Além disso, partindo do princípio que todos estão engajados neste objetivo, ou seja, de se tornar o que Jung diria em um ‘individuum’ psicológico, isto é, uma unidade autônoma e indivisível, uma totalidade, pode-se afirmar que o que se vislumbra é um tremendo desafio.
Seu maior desafio é conscientizar-se da sua importância para não ser um barco a deriva, que navega ora em águas tranquilas, ora na turbulência. A consciência se faz necessária minimamente para sermos donos deste processo, digamos, ser este um projeto de vida onde a atenção e foco podem nos auxiliar nesta caminhada, sem ilusões.
Contribuindo um pouco mais com o que foi dito até aqui, temos Magaldi (2010) que diz:
“Essa tarefa não é fácil, não se trata de uma luta com o exterior, mas com o nosso interior, porque só atravessando os portais do “inferno” seremos dignos de adentrar aos “céus”. Esse é também o pensamento de Mahatma Gandhi: “Os únicos demônios neste mundo são aqueles que estão em nossos próprios corações, e é ali que todas as nossas batalhas devem ser travadas”. Essa é, na verdade, a grande batalha travada por Arjuna no Bhagavad Gita, não uma luta com seus familiares e amigos, mas com suas projeções, para então compreendê-las, assimilá-las e integrá-las à sua consciência e só então estará pronto para o caminho da iluminação, o Sadhana. Quando o iogue alcança a Unidade, a compreensão de que tudo faz parte do Mesmo, e de que aquilo que rejeitamos nos outros existe em nós, ele encontrou-se com seu atman, seu Self” (p. 189/190)
Jung ainda afirma que o processo de individuação, mesmo chegando-se ao pico, não é um processo linear, porque não há um final. É um processo em espiral ascendente, porque o si mesmo não é fechado, mas dinâmico.
Estar consciente de que temos um potencial em nós a ser descoberto é fundamental para que tenhamos mais autodomínio sobre nós mesmos e a nossa vida. Porém, como tornar este processo uma realidade para nós, quando de fato sabemos que dele estamos fazendo parte?
Arrisco a responder de forma muito simples, nos tornando mais conscientes e sairmos do piloto automático. Buscando utilizar o tempo a nosso favor, melhorando as nossas escolhas diárias, interagindo de forma mais autêntica, desenvolvendo a empatia, sermos mais gratos e saber o porquê reconhecemos o que nos acontece de bom, não simplesmente porque é bonito dizer “Gratidão“.
Sobre isso Jung, citado por Dorst nos diz:
“É preciso ocupar-se consigo mesmo, senão não há como tornar-se alguém, senão nem é possível desenvolver-se. O objetivo do diálogo interior consigo mesmo é, em última análise, este quanto mais […] alguém se torna consciente de si mesmo mediante o autoconhecimento e o agir correspondente, tanto mais desaparece aquela camada do inconsciente pessoal acumulada sobre o inconsciente coletivo. Por essa via, surge uma consciência que não está mais enredada no mundo mesquinho e pessoalmente sensível do Eu, mas que participa de um mundo mais amplo, do objeto. Essa consciência ampliada não é mais aquele emaranhado sensível e egoísta de desejos, temores, esperanças e ambições pessoais, que precisa ser compensado ou então também corrigido por tendências contrárias pessoais e inconscientes, mas é uma função relacional vinculada ao objeto, ao mundo, a qual transfere para dentro de uma comunhão incondicional, compromissiva e indissolúvel com o mundo.” (p.31/32)
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Como usar o tempo a nosso favor?
O tempo e sua velocidade influenciam ou não este processo? Se o nosso objetivo de vida é termos o domínio de nós mesmos e como consequência de nossas vidas, penso que quanto mais cedo esta ação for iniciada, melhor será afinal, como apontado no início deste artigo, o tempo não para.
Ribas (2017) em seu processo de autoconhecimento cita uma frase de Jung que nos diz algo significativo: “uns sapatos que ficam bem numa pessoa são pequenos para outra; não existe uma receita para a vida que sirva para todos.” (p.72)
Portanto, devemos descobrir a nossa melhor forma de iniciar este processo sabendo, por princípio, que ele é individual, não é fácil, não é linear, mas é, antes de tudo, primordial para as nossas vidas.
Deixo aqui uma dica que vem me ajudando muito nestes últimos meses: O primeiro é um bom processo de análise, o segundo que colabora com o primeiro é a técnica mindfulness, cuja indicação bibliográfica será citada ao final. Este processo ajuda o indivíduo a estar atento e perfeitamente centrado no que está vivendo. Com a prática, o processo torna-se natural e é possível permanecer nesse estado a maior parte do tempo.
Encerrando, meu desejo é que todos possam usufruir desta vida para que ela, de fato, possa ter um sentido para cada um. Que não sejamos apenas repetidores de ideias e de formas de atuar no mundo, mas que tenhamos consciência e respeito pela nossa vida que, a princípio, é uma só.
O caminho possível é este, o desenho da rota é seu.
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Bibliografia
DEMARZO, Marcelo. Manual prático mindfulness: curiosidade e aceitação/ Marcelo Demarzo e Javier Garcia Campayo; tradução de Denise Sanematsu Kato. São Paulo: Palas Athena, 2015.
DORST, Brigitte. Espiritualidade e Transcendência/ C.C.Jung; seleção e edição de Brigitte Dorst; tradução da introdução de Nélio Schneider – Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.
JUNG, C. G. Memórias, Sonhos e Reflexões. São Paulo, 1990 – Círculo do Livro
JUNG, C. G. Tipos Psicológicos. In: Obras Completas. Rio de Janeiro, 1984. V.6
MAGALDI, Simone. Ordem e Caos – uma visão transdisciplinar. Primeira edição: Eleva Cultural, 2010.
RODRIGUES, Bruno, RIBAS, Gabriele [et al.] Psicologia sem Fronteiras. Porto Alegre: Secco Editora, 2017.
[…] o símbolo mandálico se mostra como chave para as portas do processo de individuação, a auto-realização do ser, como o altar sobre o qual a consciência e a vida são criadas e se […]
[…] Nesse vídeo trago essas reflexões que acredito possa trazer também um bom conhecimento da sua própria melodia. […]
[…] A psicologia junguiana oferece uma maneira única de entender a complexidade da psique humana, convidando-nos a explorar esses arquétipos e a utilizar sua sabedoria em nossa própria jornada de individuação. […]